segunda-feira, 26 de abril de 2010

Viver de Restos

pipocado por Anônimo às 7:13:00 PM
"Não serve pra ninguém, dá pra Lenise". Esta frase ouvi diversas vezes do alto dos meus poucos anos.
A segunda de uma prole de cinco, nasci no seio de família de poucas posses, magra e miuda e assim permaneci durante muito tempo. Por isso, recebia o que não servia em minha irmã, em minhas primas e em filhas de amigas de mamãe. E eu gostava.
Um sapato verde, um casaco, uma calça Lee, nada que uma pequena reforma feita pelas mãos habilidosas da mamãe não desse jeito. Nada disto em nada me afetava. Recebia com prazer e ansiedade cada doação.
Até que um dia ganhei um lindo vestido de festa: curto, em organza lilás finíssima, todo plissado, cavado nos ombros e sustentado por uma gola atada ao pescoço, completamente bordada em pequenas pedras coloridas. Um primor, um encanto. Graças a Deus, coube em mim com delicadeza. Tinha sido feito pra mim!
Eis que um dia vou a um casamento com papai e mamãe (naquela época casava-se aos domingos e cantava-se parabéns na "hora do bolo") Outros tempos... E eu lá, no vestinho lilás, feliz da vida!
Mas como o jogo da vida tem suas armadilhas, mal entrei na igreja e me deparei com a ex-dona do meu vestido. Era uma menina forte, maior do que eu e mais bonita (aliás, todas as meninas eram mais bonitas do que eu). A menina atacou-me com ferocidade exclamando aos quatro cantos "tira esse vestido que ele é meu". Eu, atônita, queria que o chão se abrisse para que minha vergonha não fosse revelada.
Acuada, corri ao encontro de meu pai, que sem notar o que estava acontecendo, como ninguém mais, me abraçou de forma tão carinhosa protegendo-me do meu infortúnio, que eu me tornei novamente a mesma princesa com a qual me vesti no momento em que saí de casa.
Eu estava salva, e não só o vestido, mas mundo inteirinho era meu!


Lenise Dutra
Memória Avulsa, o Blog da lenise

Uma das histórias da minha professora de Literatura. Eu gosto muito desse texto, principalmente o final, que é espetacular. PS: Lembrei de postar!

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