dia 17 de abril de 2010, às 02h07min.
Um lápis, um papel meio amarelado, um copo de expresso, algumas poucas horas e nenhum neurônio ativo. Precisava de uma ideia o mais rápido possível, algo que me reprimisse e que mudasse o século seguinte, ou que só me salvasse dessa mediocridade. Tic, toc, tic, toc. O relógio insistia nessa infinita repetição. Senti algo delicado pousar sobre meus ombros, algo que insanamente vai se apossando de mim, nos meus sonhos mais obscuros imagino a mão delicada de uma donzela, mas volto ao meu mísero estado físico, moral e cívico e vejo que é apenas um mosquito infeliz que resolveu invadir minhas intimidades e brincar com meus mais profundos desejos. Desisto do manuscrito e encosto na cadeira que, apesar de não ser muito confortável, me acomodou como uma mãe que faz seu filho ninar nos braços. Fecho os olhos e recomeço a relembrar de tudo, do passado, da felicidade, da minha vida de verdade. Lembrei-me de quando era um fugaz amante, onde nada vencia o amor, nada me fazia mal; eu estava com ela, eu era imortal. À medida que os minutos se passavam, as coisas ficavam mais claras: ela, o quarto, sua pele. Até que consegui inteiramente sentir tudo outra vez. Não sei ao certo como aquilo estava acontecendo, nem ao menos queria saber, só queria sentir e sentir. Foi então que me vi deitado em uma cama, pareciam ser mais ou menos umas cinco da manhã, onde o orvalho ainda não havia sido evaporado, nem o sol chegado ao seu ponto máximo. Virei minha cabeça e a vi olhando pra mim, com aqueles grandes olhos castanhos-mel que pareciam ter sido beijados pelo sol. Suas coxas cor de creme de café levemente, como se não quisesse perceber, estavam pousadas sobre minhas pernas. Ela carinhava meus cabelos enquanto sorria serena. A luz da manhã beijava nossos corpos seminus, não estávamos preocupados com a hora, muito menos com o dia de amanhã, queríamos que a eternidade fosse ali, onde a paz reinava, onde ela era só minha e eu só dela. Podia ficar ali e ser alimentado por seus olhos por tempo indeterminado, podia viver daquele amor manso para sempre. Ela, delicadamente, se inclinou, a ponto de conseguir me olhar de cima. Seus cabelos caiam em meu rosto, mas eu não ligava; tinha um cheiro ótimo, salvo engano, era maçã. Aproximou seus lábios dos meus e calmamente me beijou. Era como estar entre o perfeito e o inacabado; por mais que quiséssemos, nunca chegaríamos a um modelo, já que cada beijo era único. Coloquei minha mão sobre suas costas e comecei a carinha-la, começando na altura dos seios, terminando no cox, e assim permaneci. Ela brincava com minha orelha e passava pela minha nuca, vez ou outra passeava em meu pescoço. Algum tempo depois ela se afastou, encostou sua cabeça no meu tórax e ficou brincando com os dedos em minha barriga: movimentos tortos e singelos. Ficamos ali por horas até o momento em que ela abriu a boca, pareceu balbuciar algo e se levantou. Não entendi perfeitamente as intenções do movimento, mas não questionei; não queria quebrar o silêncio tão doce que pairava sobre o lugar. Não conseguia vê-la mais, nem mesmo escutar o ruído de seus passos, até que, e de repente, um vento frio e forte invadiu o quarto. Escondi o rosto com um de meus braços, não conseguindo ver com clareza. O vento aumentava constantemente, não sabia o que fazer. Apertei meus olhos e esperei, esperei até o momento que tudo ficou turvo, o lugar era abafado, havia uma luz rareada no fundo, um relógio fazendo 'tic, toc, tic, toc' e um cheiro de café no ar. foi então que vi a situação verdadeiramente ridícula que me encontrava. Havia adormecido na cadeira, alguns rastros de baba no canto da boca denunciavam o momento. Aquilo tudo tinha sido um sonho ou pesadelo, não sei. Ficou difícil saber, já que minha única felicidade se encontrava em meu subconsciente e que durara apenas 3 ou 5 segundos. Perplexo, fixo o olhar no mural e vejo nossa foto, antiga, mas tão representativa. Ela sorria com as mãos em meus ombros, e eu como sempre, fazia alguma expressão qualquer. Levantei-me e meio que querendo cair, caminho até o banheiro, tiro a roupa, entro no chuveiro e ali fico. Saio, visto um traje noturno e me deito com a intenção de esquecer aquilo tudo. Silêncio. Mais alguns minutos e... Levanto-me, caminho até a cozinha, faço um café expresso, sento na mesa da sala e vejo logo ao lado um bloco de papel surrado, meio amarelado e um lápis. Pego e começo a bater a ponta no papel com a intenção de escrever algo, mais do que nunca precisava escrever algo, algo que me libertasse, que me reprimisse, que mudasse o século seguinte ou que só me salvasse dessa mediocridade. Tic, toc, tic toc. O relógio insistia nessa infinita repetição. Tudo de novo, nada de inovador. Mais uma noie se passava e eu ficava ali, sem sono, sem ideias, sem ela.