sexta-feira, 14 de agosto de 2009

FiloSofia Bê-a-bá

pipocado por Anônimo às 12:20:00 AM

14 de Agosto de 2009.


Infância e ignorância, de um certo modo, são faces da mesma moeda. E, inclusive, são uma dádiva. É ótimo recebermos presentes sabendo que vieram do Papai Noel e igualmente ótimo passarmos margarina no pão sem saber que aquilo é óleo com hidrogênio. Só.

Sempre é tão linda a fase em que se aprende a ler. Vamos ver? A gente só precisa lembrar da época em que tudo no mundo era puro, e a professora falando as sílabas e a turma inteira repetindo, devagar: bá, bé, bi, bó, bu, cá, có, c… Ops! É, parece que não dá mais pra voltar. A gente não tem escolha, simplesmente entra nessa viagem. É uma pena perdermos a inocência, é uma pena o mundo deixar de ser mágico. De qualquer jeito, é um mal necessário. Mas… imagine se alguma criança percebesse isso. Sofia percebeu.

Era uma sala de aula bem simpática e amistosa. Havia brinquedos aqui e ali, o alfabeto no quadro; na parede, figuras e mais figuras e um relógio do Bozo, o que, sinceramente, daria medo em outro contexto. Enfim, era uma sala de aula alegre como qualquer sala de primeiro ano deve ser e estava recheada de crianças. A Tia Carla acabara de dar as últimas pinceladas na explicação:

- Nas últimas aulas a titia já ensinou pra vocês todas as letras e sílabas, agora eu vou passar um dever pra vocês. Eu vou dar uma folha com umas figuras e vocês vão escrever os nomes delas. Se tiverem alguma dúvida, é só me chamar, tá bom?

E a aula seguiu normalmente. De quando em vez, alguma criança pedia ajuda no exercício ou, obviamente com mais frequencia, pedia para ir ao banheiro. Quando nada acontecia com as crianças, Tia Carla checava os novos torpedos SMS recebidos, tomava café, pensava sobre a dissertação que teria de apresentar e outras coisas. Bom… até mais um dos alunos se manifestar:

- Ô Tiiia, vem cá!

- Que que foi, Sofia? Quer ajuda nos exercícios?

- Eu andei pensando….. Por que ler?

- Huuum, para nos comunicarmos, disse a professora. E continuou – Aprendendo a ler, a criança fica mais inteligente e pode ter um bom emprego quando crescer. O que você quer ser quando crescer?

A menina ignorou a pergunta da professora e disse:

- Está bem. Mas e quanto às mazelas de uma hermenêutica falaciosa? Já se exacerbam os conflitos de nosso viver cotidiano propiciados pela fala, não obstante se cria outra dialética a fim de aumentar a gama de interstícios de nossa humanidade?

Meu Deus! se uma criança com os seis anos de idade falar isso perto de mim, eu corro muito! Mas a professora não poderia simplesmente sair correndo, não teria graça. Na verdade, ela deveria pelo menos perguntar onde Sofia aprendera aquelas palavras, mas eu não consegui pensar num bom motivo para escrever aqui para vocês então vamos tocar pra frente. Carla ficou (muito) espantada, mas preferiu simplesmente ver aonde a conversa iria chegar: – O quê?, disse ela.

- Eu quis dizer, professora, que as pessoas mal se entendem falando. Daí se cria outro modo de comunicação? Isso faz aumentar nossos conflitos…

- Você está certa, Sofia. Mas milhares de anos atrás vimos que precisávamos de algo para passar adiante a informação. É simplesmente impossível imaginar hoje uma sociedade organizada sem a leitura, apesar destes conflitos que ela nos traz.

- Mas, professora… Antes da alfabetização, deveríamos até assinar um termo de compromisso perante tudo que a leitura pode nos trazer enquanto cidadãos, como questionamentos de tudo e de todos; nosso ceticismo é gerado e nosso caráter, famigerado. Tornamo-nos pessoas impessoais, arrogantes.

Tia Carla retrucou: – Tornam-se sensíveis. Já pensou em como seria o mundo sem as cartas de amor ou sem as músicas? E, também, todos nós evoluímos, porque nos tornamos mais questionadores. Isso é difícil para nós, mas no fim criamos movimentos que mudam para melhor o rumo da humanidade.

- É verdade, Tia Carla. – Sofia alterou seu humor - Mas não posso deixar de alertá-la que é um verdadeiro vitupério a nós, alunos, não sermos avisados do que a leitura pode fazer conosco antes que aprendamos a ler. – Enquanto falava, a garota foi piorando até chegar a um êxtase. – Talvez ela até mesmo nos induza à abordagem filosófica compulsiva. Tendo a leitura sua característica exemplar de conexão paradigma, sintagma, fronteira do oculto e do aparente, concretização e pura abstração de si mesma. Tanto à luz da fenomenologia quanto do empirismo enquanto comprovação de uma identidade constante e imutável cujo feixe de percepções ultrapasse o determinismo implícito no enfoque específico dessa ontologia… – o sino tocou e a professora se viu aliviada. Sofia, interrompida, respirou fundo e voltou ao normal, uma criancinha de novo.

Depois de encerrar a aula, Tia Carla voltava para casa com um único pensamento – “preciso marcar uma reunião de pais”.

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Vamos todos numa só voz: Feliz aniversário, Pércio!

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Sim, eu usei e abusei do dicionário pra este post. Só espero que tenham gostado. Até o mês que vem. ;)

8 comentários on "FiloSofia Bê-a-bá"

Jéssica on 14 de agosto de 2009 às 00:37 disse...

Feliz niver pro Pércio!!!! Ah, eu gostei das partes do texto que entendi usando apenas minha humilde mente. [hanhan] Diego, você é o melhor.

sr. Padilha²² on 14 de agosto de 2009 às 10:47 disse...

Ni... está maneiro o post cara, só que poderiamos mesmo ser sempre crianças e pensar que o papai noel mesmo que nos dá presentes ou que jesus mesmo nos cura. ^^ abração leke... PS: Já dei feliz aniversário para o Percio ontem.

legscomplainig on 14 de agosto de 2009 às 19:13 disse...

Feliz aniversário, Pércio!


Me senti uma marmota lendo isso.

Pércio Faria Rios on 14 de agosto de 2009 às 19:39 disse...

Velho, você me lembrou de Rui Barbosa com o ladrão de galinhas: "-Não é pelo bico-de-bípede, nem pelo valor intrínsico do galináceo; mas por ousares transpor
os umbrais de minha residência. Se for por mera ignorância, perdôo-te. Mas se for para abusar de minha alma prosopopéia, juro-te pelos tacões metabólicos de meus calçados, que darte-ei tamanha
bordoada, que transformarei sua massa encefálica, em cinzas cadavéricas."

Fantástico, cara. Ou, me aproveitando do tema, SUPER FANTÁSTICO!

Unknown on 15 de agosto de 2009 às 16:12 disse...

Diego e suas obras de artes !

Parabéns Pércio.

Anônimo disse...

Caramba Durock! Parecia que tava lendo em outra língua isso! #risos
Mais tá muito bom cara, muito mesmo. Parabéns! (Tô até preocupado no que escrever, só tem fera aí)

Anônimo disse...

Ops, Parabéns(atrasado) Pércio!

Natália Tasse on 17 de agosto de 2009 às 21:43 disse...

sabe, eu nunca gostei de crianças e tampouco de ser uma delas. MUITO bom o texto, apesar de discordar com ele por inteiro.Afinal,o transito de informação é indispensável e isso só se tem a partir de registros feitos através da escrita.E ser enganada não me agrada, ainda que seja com coisas irrelevantes, como o papai noel. Muito bem feito, voce além de ser físico escreve maravilhosamente! Ô natureza injusta!

 

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