domingo, 14 de fevereiro de 2010

Rébus

pipocado por Diego Augusto às 2:08:00 PM

Domingo, 14 de fevereiro

Eu fiquei meio pasmo ao receber uma correspondência há alguns dias; não por ela, mas o carteiro…. meu Deus, o carteiro usava sandálias aladas! Ele resmungava entredentes algo sobre ser rebaixado a fazer entregas para humanos. Eu assinei onde precisava e lhe entreguei. Pisquei os olhos e, depois, não havia mais ninguém na minha frente. Era o que faltava para eu ter certeza de que aquele era Hermes, o mensageiro dos deuses do Olimpo. Como a carta não parecia ser destinada só a mim, não me vi no direito de escondê-la:

Meu nome é Narciso. Eu herdei a beleza de minha mãe, uma linda ninfa, e por isso fui desejado por muitas durante minha vida, mas a verdade é que isso me frustrava. Eu sei o que pensam sobre mim, todos vocês. Eu decidi contar –lhes o que de fato foi a minha vida.

Além de amor, minha mãe sentia um enorme orgulho por mim. Mostrava-me a todos, como se eu fosse uma linda obra de arte criada por seu ventre. Naquela época, todos admiravam meu exterior, e só eu convivia com meu interior. Cresci nessas circunstâncias e comecei a me achar… oco. Em certo dia, eu me cansei e finalmente aceitei tal condição.

Prontamente, eu me pus a enaltecer minha beleza diante de todos, mas porque eu não queria que percebessem o quão inseguro de mim mesmo eu era; eu sonhava em ser um jovem astuto, sábio, guerreiro, não simplesmente aquela casca sem conteúdo. Conforme eu envelhecia, lindas ninfas apaixonavam-se por mim, e eu sempre as rejeitava. Eu jamais poderia ter uma relação profunda com uma moça, eu jamais poderia dar brechas para que as pessoas me conhecessem de verdade.

Confesso que já tentei retribuir a paixão de algumas ninfas e mulheres, mas eu simplesmente não conseguia, porque elas… elas me constrangiam. Elas faziam o meu coração acelerar, as minhas mãos suarem frio, o meu rosto enrubescer e a minha voz desaparecer. Eu ficava desatinado, como um ateniense no labirinto do Minotauro. Eu nunca entendi o que acontecia, mas sentia muita dor em meu peito. Sozinho, claro.

Certo dia, esgotado de tanto caçar, avistei uma fonte límpida, de águas cristalinas. Abaixei-me imediatamente para beber de sua água e logo fitei a face de um homem. Eu não o desejei para mim, eu desejei sê-lo. Fitei ali o rapaz cuja arrebatadora beleza é só mais uma dentre várias qualidades. Eu não tinha mais coragem de encarar minha realidade oca, eu não conseguia parar de contemplar aquele homem astuto, sábio, guerreiro, muito além de belo.

Naquele túmulo de águas cristalinas estava o meu sonho, que eu poderia ter alcançado, se não me preocupasse em simplesmente camuflar a realidade. Passei dias contemplando aquela face e, como eu não poderia deixá-lo, decidi-me por acompanhá-lo em sua morte. Como eu não mais poderia viver sendo aquele homem, decidi-me por deixar de viver. Ali jazia o homem que eu não deixei nascer. Ali encontrei a minha morte. Sempre, sempre sozinho.

3 comentários on "Rébus"

Thiago Soneca on 15 de fevereiro de 2010 às 11:50 disse...

Ta beleza,agora confessa, quem escreveu pra você??? pode falar cara, sou teu amigo, não vo te zuar.
hauauauhua

puta merda, velho de boa, fico foda cara. voce é brilhante cara!

Thiago Soneca on 15 de fevereiro de 2010 às 16:35 disse...

Esqueci de ressaltar a forma com que você descreve o fato dele encontrar em seu reflexo o que sempre quiz ser. Geralmente isso acontece com as pessoas, se preocupam com a opniao alheiam e muitas vezes buscam ser algo que ja são.

Arthur Bretas on 23 de fevereiro de 2010 às 21:30 disse...

Simplesmente genial!

 

The New Yoki Times Copyright 2009 Reflection Designed by Ipiet Templates Image by Tadpole's Notez | Blogger Templates