10 de janeiro de 2010.
Foram tempos difíceis meus caros, final de ano em uma academia chega a ser entediante. Trabalho como recepcionista em uma e resolvi dobrar o serviço para folgar na próxima semana e poder viajar. Em um momento a gente fica sem nada para fazer. Pessoas entediadas futucam o nariz, buscando nele algum motivo de atenção. Recepcionistas não podem futucar o nariz, nós lixamos as unhas, prendemos nossos cabelos em forma de coque com um lápis e em alguns momentos fingimos estar completamente lotadas de coisa para resolver.
Minha criatividade acabou, não sabia nem como fingir estar ocupada, meu patrão comprou um sorvete na banca ao lado e ficou olhando um sujeito lavar sua moto.
-Ana Clara – fala muito interessado na própria idéia- liga pra aquela academia ali da frente, pede informação sobre tudo, mensalidade, horário, sobre professores. Passei por lá outro dia e tinha menos gente que aqui, claro.- acaba se gabando, ele faz isso sempre.
Nesse momento pego a lista telefônica, aperfeiçoamos a idéia e resolvemos ligar para todas as academias que conhecemos no nosso bairro, as maiores concorrentes. Anoto em um papel o primeiro nome, ligo.
A funcionária foi muito simpática, um pouco tímida inicialmente, mas acho que ela se sentiu bem conversando com alguém que entende tanto do processo longo que é matricular um aluno. Claro, somos mais baratos que eles e eu sou muito mais legal que ela. Desligo o telefone, comento com o patrão o quanto foi divertido perturbar uma recepcionista e vou para a próxima da lista.
Somos mais baratos que eles também, na verdade, qualquer um é mais barato que eles. Eles cobram o preço da nossa alma para que façamos atividades físicas, como se fosse a melhor coisa do mundo. Antes fosse um sorvete, antes fosse uma picanha... As pessoas venderiam a alma por prazer, não por uma penitência. A mulher me informa que eles cobram por todas as atividades mesmo que você só queira a “x”.
Fico indignada e começo a questionar a funcionária.
-Mas ta, eu faço a avaliação física pagando quarenta reais, tranqüilo. A avaliação o cara vai me dizer se eu posso ou não fazer certo tipo de atividade. Eu sei que tenho problema no joelho e não posso fazer spinning e vão me fazer pagar pela aula de spinning? – vejo meu patrão olhando para mim na porta, e noto que me empolguei demais com essa de pedir informações. Agradeço a atenção da funcionária e desligo o telefone encenando uma facada no peio, eles são realmente caros.
-Se você pode passar, então passa pra mim o valor das mensalidades porque eu não vou aí saber quanto que vai me custar. – falo do modo mais não simpático que sou capaz. Ela me passa alguns valores muito rapidamente, poucos detalhes.
Desligo o telefone pensando em como ela se fez de difícil, logo passa pela minha cabeça que já escutei aquela voz, eu só tinha recebido uma ligação pedindo informações por aquela manhã, era a voz dela. Nunca me lembraria em um dia normal, mas não era um dia normal e me lembrei.
- Maldita recepcionista da concorrente, fica espionando os outros. Esse povo que não tem nada melhor pra fazer...Filha de uma p...
4 comentários on "Espionagem"
Acho que vou virar recepcionista de academia. Adoro me sentir num filme de suspense policial.
realmente aconteceu isso tudo? muito legal. vc foi bem sigilosa em não enunciar os nomes, mas poderia ter criado nomes fictícios, para dar um tom mais real, sei lá. como disse a Gabi, se assemelha muito a um romance policial, o qual admiro.
Toda essa história não precisa necessariamente ter acontecido. A Ana Clara pode ter criado o conto. O que acho ser o mais provável. Muito bem escrito.
adorei, ficou ótimo!
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